segunda-feira, 23 de abril de 2012

ARCIPRESTE ANTÓNIO GOMES FERREIRA, PÁROCO DE TERROSO

O P.e António Gomes Ferreira nasceu no Lousadelo, Balasar, em 16 de Janeiro de 1865; apesar de por breve período ter prestado algum serviço em Balasar e noutras paróquias, foi sobretudo pároco de Terroso (Póvoa de Varzim), onde se manteve 37 anos; foi arcipreste e também arqueólogo. Como arcipreste, sucedeu ao P.e António Martins de Faria. Faleceu em 16 de Abril de 1940.
No boletim Póvoa de Varzim, a Prof.ª Bernardete Faria publicou sobre ele um trabalho que retoma e amplia as informações veiculadas pelo P.e Leopoldino Mateus, acrescentando largo número de ilustrações.
O etnólogo e arqueólogo Rocha Peixoto, no artigo “Beneméritos da Arqueologia. As explorações da Cividade de Terroso e do Castro de Laundos, no Concelho da Póvoa de Varzim”, n’A Portugália, II, página 123, deixou sobre ele estas muito elogiosas palavras:

(…) no exemplaríssimo sacerdote que é o Abade da freguesia de Terroso, Rev.do P.e António Gomes Ferreira, encontrou-se pela sua colheita tão fidalga e generosa, pelo interesse que de começo lhe despertaram os trabalhos, pelo solícito afã em remover dificuldades, pelo esforço em alcançar operários nas duas épocas de absorvente faina agrícola, pela hospitalidade com que albergou o fiscal permanente do Museu do Porto (Abílio Pereira), pelos seus lúcidos conselhos e pela sagacidade das suas vistas, o ideal do cooperador desinteressado e prestimoso.

O P.e Leopoldino Mateus evocou-o nestes termos:

Era bom sacerdote, zeloso pároco, cumprindo o seu dever até ao fim, pois que, sendo sua vontade findar seus dias na freguesia da sua naturalidade, deixou de o fazer, por haver falta de clero para o múnus paroquial.
O seu funeral constituiu uma manifestação da mais profunda saudade, tomando parte no ofício 48 sacerdotes, incluindo os Srs. Arciprestes de Barcelos, Esposende e Famalicão, sob a presidência do Rev. Dr. Molho de Faria.
No cortejo fúnebre incorporaram-se muitos amigos desta vila (da Póvoa de Varzim) de Terroso, Balasar, Beiriz, Amorim, Laundos e Vila do Conde, as corporações religiosas de Terroso, Beiriz e Amorim e os Bombeiros Voluntários desta Vila.

Na correspondência para o jornal A Propaganda o mesmo P.e Leopoldino assinala-se várias vezes a vinda deste arcipreste à freguesia.

Coincidências

O artigo que se segue foi escrito pelo Arcipreste António Gomes Ferreira. Devia falar do P.e Álvaro de Matos, o sacerdote, depois pároco da Póvoa de Varzim, que deu a Primeira Comunhão à Beata Alexandrina, mas fala de coisas variadas, como dum P.e Doutor, natural de Balasar, que se fez jesuíta, diz que o P.e Álvaro de Matos foi dono duma importante casa nesta freguesia, etc.

Era aí por 1885 ou 1886. Eu era estudante de Teologia e estava a passar as minhas férias em Balasar. O Dr. Manuel Campos, ao tempo professor de Filosofia no Seminário de Santarém, veio, como costumava também, passar as suas férias ao seu solar o “Campo”, na mesma freguesia.
Era um madrugador; e todos os dias quando ia para a Igreja da freguesia (ainda era a do Matinho) celebrar a Santa Missa passava pela minha casa, abria a porta e chamava naquela voz de tenor, tão sua: “O estudante está na cama? Cá fora já, para me vir ajudar à Missa…” E eu, às vezes bem arreliado, porque queria mais um bocadinho de cama, lá me mexia e lá ia ajudar o Sr. Doutor à Missa.
Um dia apareceu-me com um rapazinho pela mão, criança muito viva, perna mexida a sair do seu calção irrepreensível, que chamou a minha atenção pela novidade. O Sr. Doutor satisfez logo a minha curiosidade, dizendo-me: “É o Alvarinho, meu sobrinho, filho da minha irmã Rita, que veio passar uns dias connosco”.
Pouco tempo passado, eu ordenei-me sacerdote e segui a vida paroquial e aí me tenho mantido até agora. O Dr. Campos, alma de escol e coração esbraseado de zelo pela salvação das almas, seguia a sua vocação e fez-se religioso na benemérita “Companhia de Jesus”.
O Alvarinho cresceu, fez-se estudante e ordenou-se sacerdote.
Seu tio, o Dr. Campos, antes da sua profissão religiosa e em reconhecimento da muita simpatia que por ele nutria, legou-lhe o seu solar de Balasar, onde ele com a família costumava passar alguns momentos de repouso (algumas palavras ilegíveis na cópia que usamos).
Os tempos foram passando e um dia rebentou a revolução de 5 de Outubro.
Os revolucionários por toda a parte perseguiam tudo o quer cheirasse a religião, espatifando tudo, arrastando tudo com uma fúria que dava a ideia que foram muitos manicómios que vomitaram para a rua os seus moradores. Tudo foi perseguido, mas nomeadamente os Jesuítas… Esses foram monteados como feras da pior espécie e passaram os trabalhos e as inclemências que se lêem com lágrimas nos Proscritos.
Por essa ocasião estava eu em minha casa de Balasar a tratar das vindimas e fui muito cedo para a igreja a fim de celebrar a Santa Missa (agora já na actual igreja) e vir presidir aos trabalhos da minha casa.
E quando, depois de fazer a minha preparação, me dirigi à sacristia da Igreja para me paramentar, vi através dos vidros da janela um vulto que espreitava, cauteloso e com manifesto receio de ser descoberto.
Aproximei-me e reconheci o amigo de tantos anos, o Dr. Campos!
Corri logo à porta para lhe dar o abraço de saudade e certificá-lo de que ali, naquele remanso pacífico da nossa aldeia, ainda não tinha chegado a república, que estivesse sossegado.
O Dr. Campos contou os trabalhos que tinha tido para chegar ali da residência de Guimarães, onde se encontrava, sempre perseguido, na sua própria terra e pelos irmãos e patriotas.
Na sua freguesia, que tantas vezes lhe serviu de remanso, de paz e de conforto, ele encontrava sossego.
- Já dei parte ao Álvaro, diz-me ele assustado (algumas palavras ilegíveis), e quero ver se consegue passar-me para Espanha.
Que pena me causou esta cena e como eu desejei naquela ocasião ter uma eloquência de Demóstenes para mover os perseguidores a sentimentos humanos! E o Álvaro lá se mexeu, tomou as suas medidas, tudo preparou e seu caro tio, que nunca na vida fez mal a uma mosca, porque era a bondade em pessoa, lá passou a fronteira, onde, para vergonha nossa, foi encontrar repouso, segurança, estima e apreço que a pátria lhe negou. Vive ainda, para honra da família e da sua ordem, em terras do Brasil a espalhar os benefícios do seu ministério que a pátria não quis aproveitar escorraçando-o… como elemento perigoso.
O sobrinho, o P.e Álvaro Matos – herdeiro da sua casa e das suas virtudes – foi, por causa delas, nomeado pároco da Póvoa. O que foi a sua passagem por esta paróquia (da Póvoa de Varzim onde saía o jornal) está gravado ainda bem fresco na consciência de todos os moradores da formosa vila; na Igreja paroquial, na Conferência de S. Vicente de Paulo, no Pão de Santo António, na Beneficente, na Confraria do S. S. Sacramento e sobretudo na revolução moral da sua paróquia.
A sua construção franzina, servida por uma alma de apóstolo e da lúcida compreensão das coisas, gastou-se em poucos anos.
Voou para a eternidade, podendo dizer como S. Paulo ao terminar a sua brilhante carreira de apostolado: fidem servavi, cursum consumavi. 
Amigo íntimo do finado, só me resta pedir-lhe para que no seio de Deus, onde piamente creio que reside, peça ao Pai da Misericórdia que me leve a vê-lo de novo um dia, que não virá longe, para nunca mais me apartar dele.
Arcipreste António Gomes Ferreira, O Liberal, 20/5/1923


O CÓNEGO MOLHO DE FARIA, PROFESSOR DO SEMINÁRIO CONCILIAR, NATURAL DE TERROSO

A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira dedica um artigo de quase uma coluna ao cónego Molho de Faria. Estava ele na força da vida, com cerca de 45 anos. Faleceria em 1982, com 78.
Nesta enciclopédia, como se sabe, os artigos não são assinados. Mas é de crer que o escrito tenha bastante de autobiográfico. Lembre-se já agora que data de 1943 a primeira intervenção do Cónego Molho de Faria em Balasar, como presidente da comissão que foi estudar a Alexandrina. Claro que nada disso vem nesta biografia.
Veja-se o que então se escreveu:

Sacerdote, professor e escritor, nasceu em Terroso, Póvoa de Varzim, a 22/10/1904.
Seus pais, modestos lavradores minhotos, visto possuírem três filhos, dos quais o biografado era o mais velho, tiveram grande dificuldade em mandá-lo estudar. Só em 7/1/1920 ingressou no Seminário Conciliar de Braga.
Em 17/10/1925, tendo completado já os sete anos de preparatórios e o 1º de Teologia, o arcebispo primaz, D. Manuel Vieira de Matos, apreciando altamente os seus dotes intelectuais e morais, enviou-o a Roma para cursar a Universidade Gregoriana.
Em 1928 doutorava-se, na dita Universidade, em Filosofia, e, quatro anos depois, igualmente em Teologia. Foi ordenado em 20/2/1930 e, no dia seguinte, celebrou a sua primeira missa na basílica de S. Pedro.
Regressado de Roma em 1932, foi nomeado pelo arcebispo primaz professor efectivo de filosofia e Teologia Dogmática no Seminário Maior de Braga, onde, nos anos subsequentes, a sua acção professoral se alargou à regência das principais cadeiras que hoje detém. Em 1935, o arcebispo primaz nomeou-o assistente diocesano da Acção Católica; em 1937, examinador e juiz sinodal; em 1940, director da revista oficial da arquidiocese; em 1942 foi investido na dignidade de cónego da sé primacial de Braga e na de supremo juiz do tribunal eclesiástico de 1ª e 2ª instâncias de Braga e de toda a província do Norte de Portugal, etc.
A sua notabilíssima actividade literária principiou em 1933 com variada colaboração nas revistas Acção Católica (órgão oficial do arcebispado primaz), Verdade e Vida (Porto) e Cenáculo (revista do seminário conciliar bracarense), assim como no Diário do Minho, Escola Remoçada, etc., colaborações que mantém com a direcção da Acção Católica, onde tem a seu cargo uma secção de críticas literárias e outra secção de consultas, onde se debatem os mais intricados problemas da religião, da moral e do sacerdócio, em si ou nas suas relações com matéria secular ou profana.
A partir de 1935 publicou muitas obras em volume, algumas das quais esgotadas, alcançando grande reputação pelo seu mérito literário e pelo intento moralizador das juventudes. Entre essas obras, sãO principais: Cronologia da Paixão de N. S. Jesus Cristo, 1035; Maria da Consolação, biografia, 1938, 1941 e 1943; Os Bailes e a Acção Católica, 1939, obra aumentada e totalmente refundida em 1946; Os Namoros, 1942; O Pudor e a Modéstia Cristã, 1943; Os Namoros e a Vocação Matrimonial, 1944; A Imprensa e a Acção Católica, 1945; A Continência Periódica e a Moral, 1947; no prelo (1948): O Catolicismo em Derrocada? e S. Bento da Porta Aberta (monografia), obras na sua maioria de vasta extensão e largo intuito e alcance social. Tem em preparação, também, em 1948, Questões Modernas de Moral e Justiça e anuncia um vasto trabalho de muitos anos de estudo sobre vários filósofos e teólogos portugueses.

Em 28/03/04, no Diário do Minho, o Cónego Melo Peixoto dedicou um artigo ao «Arcediago Doutor António Gonçalves Molho de Faria». A este título acrescenta o articulista o subtítulo «Professor do Seminário Conciliar, Director da Revista Acção Católica e Oficial da Cúria Arquidiocesana».
Depois de referir o seu ingresso no seminário bracarense e os seus estudos na Gregoriana, continua o autor:

… em 1932, regressou à Arqui­diocese e foi nomeado Professor efectivo no Se­minário Conciliar, regen­do cadeiras em Filosofia e no Curso Teológico, mor­mente Metafísica e Teologia Dogmática.
Professor abalizado de inúmeras gerações, exigen­te mas compreensivo, aco­lhedor mas conservando a “distância regulamentar”, disponível para o atendi­mento aos alunos... o seu modo de ser e estar e a sua “pedagogia” exigiam, nas aulas, uma grande atenção e, podemos dizer, atenção permanente.
Sem dúvida que a Meta­física e a Teologia Dogmática, além de outras disci­plinas, exigem uma redo­brada atenção devido à sua complexidade, acrescendo ainda o facto das “sabati­nas” se realizarem com cer­ta frequência. Também o professor, com assiduidade, fazia as tais “perguntas des­garradas”... e era mau que o aluno estivesse “descalço”.
“Cada um é como cada um”, diz o nosso povo... Cada professor tem o seu modo de ser e os alunos fazem dele a perfeita “radio­grafia”. Importante é que não esqueçamos que a his­tória de certos homens so­mente se pode escrever no túmulo onde repousam, como referiu Boileau.
O Doutor Molho de Fa­ria mereceu o respeito e a consideração dos seus alu­nos e foi sempre, para to­dos, um exemplo de dedi­cação, apego ao trabalho e amor à Igreja.
O corpo docente dos Seminários era bem esco­lhido e podemos afirmar, sem hesitação, que a do­cência era verdadeiramente “universitária”... Recordar o Doutor Alexandrino Fer­nandes dos Santos, o Arce­diago Insuelas, o Doutor Adão Salgado, o Doutor Álvaro Dias, o Doutor An­tónio Durão, S.J. etc...
Além do magistério de que foi encarregado, o Cónego Molho de Faria dedicou-se à vida apostóli­ca, mormente através da pregação — tendo percorri­do grande parte da Arqui­diocese neste ministério — e à assistência espiritual nos organismos da Acção Cató­lica, — escolares e indepen­dentes e também operários, onde ministrou formação segura e incutiu “militân­cia” nos vários “agentes”.
Os Retiros ou Exercícios Espirituais ocuparam mui­to tempo da sua vida sacer­dotal, com extraordinário sucesso na formação religiosa e espiritual dos nossos fiéis e que ainda hoje lembram as lições recebidas.
Será bem recordar o trabalho, de muita exigência, que lhe foi pedido: a direcção da Revista Acção Católica como substituto do Doutor Alexandrino Santos desde 1940 a 1981, – sendo director de facto e não no papel, — data em que pediu a exoneração, um ano antes da sua morte.
Não sendo, embora, um canonista, foi nomeado “Oficial” da Cúria Arquidio­cesana, presidindo ao Tribu­nal Eclesiástico no qual de­senvolveu uma activida­de digna de apreço. Os seus conhecimentos, a sua pon­deração e sentido de justiça mereceram o apreço devido.
Em 1943 (15 de Abril) tomou posse canónica como capitular efectivo da Catedral bracarense e em 29 de Outubro de 1972 foi nomeado Arce­diago, cargos e missão que fielmente desempe­nhou.
Viveu com verdadei­ro sentido de “português responsável” todos os problemas surgidos após o período revolucionário de 1975 e procurava in­formar-se, cuidadosa­mente, de tudo quanto à Igreja se referia.
Faleceu em 21 de Fe­vereiro de 1982 e foi se­pultado no cemitério de Monte d’Arcos, em Braga.
Não posso deixar de referir a ajuda que sem­pre soube prestar aos seus antigos alunos quan­do recorriam ao seu con­selho e apoio, nos vários sectores da vida eclesiás­tica e pastoral.

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