segunda-feira, 23 de abril de 2012

MONSENHOR LOPES DA CRUZ, FUNDADOR DA RÁDIO RENASCENÇA

Recentemente a Rádio Renascença completou 75 anos: o próprio Presidente da República participou na comemoração. Ora, depois de ter sido apagada a página que lhe dedicávamos na escola onde ensinámos, não havia em linha sobre ele nada de substancial. Repomos aqui aquela página, a que fazemos breves acrescentos.

Os pais do Monsenhor Lopes da Cruz, o fundador da Rádio Renascença, eram naturais de Faria, Barcelos. Mas, em finais do séc. XIX, vieram para Terroso, como caseiros. Aí se demoraram alguns anos, aí nasceu o futuro monsenhor e adiante voltaram a Faria. E é em Faria que Monsenhor Lopes da Cruz está sepultado.
Foi assim que escreveu, a 30/V/1985, em A Voz da Póvoa, o terrosense Gomes dos Santos. A Enciclopédia Verbo dedica também algum espaço a este notável sacerdote.
Embora tenhamos lido algo mais que isto sobre este Monsenhor, é do artigo de Gomes dos Santos que vamos transcrever, com duas ou três pequenas modificações, a parte mais substancial.
No final do século passado o caseiro (da quinta de Guimbres, em Terroso) veio de Faria (entre Terroso e Faria sempre houve grande intercâm­bio de que ainda hoje restam vestígios no apelido dos seus naturais. Há mui­tos em Terroso que dão pelo apelido de Faria). E aí nasceu em 20 de Agosto de 1899 Manuel Lopes da Cruz.
Depois de cursar com brilho os Seminários diocesanos de Braga, Manuel Lopes da Cruz foi ordenado em 27 de Abril de 1924 por D. Manuel Vieira de Matos. Exerceu magistério no ensino particular foi prefeito de colégio em Guimarães e aí paroquiou a freguesia de S. Sebastião.
Em 1928 veio para Lisboa chefiar a redacção das Novidades. O jornalismo deu-lhe ensejo para várias viagens ao estrangeiro e pelo país de que deu contas no seu jornal que concebia como instrumento ao serviço da igreja e do bem comum.
Em 1931 lança o Anuário Católico de Portugal com os padres Miguel de Oliveira e Raul Machado e com Manuel Ribeiro na direcção a revista ilustrada Renascença.
Crescia a radiodifusão. No Diário do Minho os padres Magalhães Costa e Domingos Basto lutavam pela sua instalação ao serviço dos católicos. Mas a ideia só pode considerar-se com força a partir do célebre artigo publicado em 1 de Fevereiro de 1933 na Renascença em que o então padre Lopes da Cruz dizia: "muitas são já, em Lisboa, as estações emissoras. Mas os católicos não possuem ainda a sua, e só com extrema dificuldade e por favor especial podem recorrer a uma ou outra para se fazerem ouvir. Há quem não hesite em servir-se do insulto e até da ameaça para impedir que algum de nós se aproxime do microfone de qualquer desses postos... Miséria e tristeza! Compreendem os leitores sem esforço as incalculáveis vantagens que uma estação nossa nos traria a todos. Bem; mas se assim é, por que nos não resolveremos a preencher essa lacuna, a servir-nos desta maravilhosa conquista do engenho humano?
... O nosso posto — chamemos-lhe, por exemplo, a Rádio Renascença — não só irradiaria a nossa música, a nossa literatura, o nosso teatro, como também faria ou vir os nossos oradores e conferencistas...”
A Rádio Vaticano inaugurou em 1931 o seu primeiro posto emissor. Botelho Moniz fundou no mesmo ano Rádio Clube Português. A Rádio Oficial apoiada pelo ministro Duarte Pacheco começara as suas emissões regu­lares em Abril de 1933. A persistência e tenacidade de Lopes da Cruz viria a frutificar em 1938, com o apoio de todo um sector da imprensa e da hierarquia e especialmente da quota mensal mínima de esc. 2$50 dos sócios da sociedade fundada em 1935 e que hoje constitui a ELiga dos Amigos da Rádio Renascença". Na cruzada distinguiu-se ainda o Dr. Abel Varzim, cuja vida seguiria de pois ao lado e solidária com a do Monsenhor Lopes da Cruz. Com o irmão José Varzim e um terceiro, fundaria mais tarde a Rádio Triunfo, editora de discos.
Monsenhor Lopes da Cruz possuía como poucos o segredo de ver ao longe. Via sempre o apostolado em termos de futuro. Não se contentava com projectos, nem se perdia no meio de fantasmas e utopias. Rapidamente punha em obra o que julgava uma urgência de momento, como bem sublinham seus biógrafos. A criação da Rádio Renascença, é um bom exemplo. Mas há mais, como por exemplo a constituição da Rádio Televisão Portuguesa e aquela editora de discos.
Sublinho, como programas de muito relevo na Rádio Renascença, logo em 1939, os de Almada Negreiros, João Amial, Carlos Queiroz e Pedro Correia Marques que falou do "risco dos jornalistas". E muitos outros na maior parte saídos no suplemento Letras e Artes das Novidades.
Em 1946 Pio XII agraciou-o com o título de Monsenhor, inscrevendo-o no número dos seus camareiros secretos. A distinção era de ordem pessoal, mas também consagrava as canseiras que assinalaram os primeiros dez anos da Rádio Renascença.
Monsenhor Lopes da Cruz desconhecia o que era desistir. Ao serviço da emissora católica que fundara foi convidado a ir a Andorra. O avião que tomou em Madrid, instantes depois de levantar voo, incendiava-se numa floresta, felizmente sem graves consequências para os passageiros. Aterrados de pânico, todos se negaram a prosseguir viagem, menos Lopes da Cruz que corajosamente tomou outro avião e assim cumpriu a missão que o arrancara de Lisboa.
Em 31 de Dezembro de 1951 Monsenhor Lopes da Cruz foi nomeado Prior da Basílica dos Mártires do Patriarcado de Lisboa, instalada mesmo ao lado da Rádio Renascença. Dela se difundiriam a partir de então numerosos programas de Rádio com relevo para o Terço do Rosário.
Em 1952 foi Monsenhor Lopes da Cruz nomeado Prelado Doméstico de Sua Santidade e elevado, em Maio de 1957, à dignidade de Protonotário Apostólico.
O Papa João XXIII enaltece a sua acção. Anunciado o concílio Ecuménico Vaticano II, foi Monsenhor Lopes da Cruz escolhido como consultor para os trabalhos preparatórios no secretariado da imprensa e espectáculos, depois perito conciliar (1962) e consultor da Comissão Pontifícia dos Meios de Comunicação Social (1968). Fala-se na sua colaboração constituinte no Decreto Con­ciliar de 4 de Dezembro de 1964 sobre os Meios de Comunicação Social. ...
Em 15 de Dezembro de 1968, na missa de aniversário das Novidades, Monsenhor teve o primeiro rebate da grave doença que o vitimaria meio ano depois. Faleceu no Instituto Português de Oncologia em 9 de Junho de 1969 e seu corpo veio para o cemitério de Faria, em Barcelos, onde repousa ao lado de seus pais.
Em Terroso passou apenas a infância; e os pais cedo voltaram a Faria. Mas nem por isso a terra esquece que ali nasceu um dos portugueses mais ilustres deste século, pelo menos um dos homens com maior capacidade de antever as coisas. Diariamente a Rádio Renascença dá disso testemunho. Que Deus o tenha em bom lugar”.

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